A Felicidade do Improviso

Francisco Marques
2 min readFeb 14, 2016

--

Lembro me da minha mãe contando sobre sua infância, falando das marcas deixadas no chão de terra batida que os chinelos novos deixavam e como ela e os seus irmãos seguiam admirando os riscos no chão, andando a caminho de algum açude ou rio. Não custava nada para se jogar de alguma pedra alta e mergulhar, não custava nada para ser feliz.

Foi uma infância nada fácil se visto do ângulo do conforto, já que meus avós não tinham muitos recursos e desde cedo os filhos tiveram que trabalhar para ajudar em casa. E como todo aquele que é desprovido de recursos, o improviso era palavra mestre. Então minha mãe me contava das bonecas que nunca vieram de lojas, das roupas que as meninas aprenderam a costurar, das longas caminhadas por falta de transporte…

A palavra “Improviso” voltou a minha cabeça quando inventei de acampar. Nunca havia feito isso a não ser dentro de sala quando era criança. Mesmo em campings com banheiros e cozinha você sempre tem que dar um jeitinho pra conseguir fazer algo bem feito ou pelo menos próximo daquilo que você queria.

Durante a viagem a chapada dos veadeiros que fiz nesse fim de ano tive uma conversa com uma amiga sobre isso: Sobre o quanto nos acorrentamos as praticidades de nossa já consolidada rotina e que quando algo sai um pouco do que já estamos acostumados traz irritação. Não ter o que se quer no momento em que se precisa e mesmo assim conseguir chegar ao ponto final ensina que carregamos coisas de mais. Não precisamos de metade daquilo que dizemos ser indispensável. E com isso nos tornamos pesados e a felicidade vai ficando cada vez mais cara a medida que não temos o que queremos no momento em que queremos.

Acampamento na Chapada dos Veadeiros — GO

Improvisar, como concluímos em nossa conversa noturna ao lado de uma fogueira, está diretamente relacionado ao ato de criar, de usar o cérebro para traçar novas rotas e soluções e uma possibilidade de experimentarmos fazermos a mesma coisa mas de modo diferente e simples.

A medida que percebia que a maioria das coisas que esqueci de levar não faziam falta eu me sentia mais leve. E o prazer de sentir o momento e vivê-lo no instante em que acontecia, despreocupado das coisas que não tinha, me fazia feliz. Como a risada de crianças a admirar as impressões de chinelos na terra a caminho de um rio.

--

--

Francisco Marques
Francisco Marques

Written by Francisco Marques

Engenheiro, cronista e apaixonado por viagens, histórias, gente e principalmente juntar isso tudo no papel.

No responses yet