Despedida
Passamos a vida inteira tendo que dar “tchau”a alguém.
Sarah odiava cozinhar. Ela havia me contado isso logo em uma das primeiras vezes que eu a vi. “Meu pai iria cair para trás se visse eu fazendo isso”, contava ela com um sorriso relembrando o quanto o pai a chamava de preguiçosa quando o assunto era tarefas domésticas.
Sobre a bancada de mármore que servia como mesa de jantar e divisória entre a cozinha e seu quarto, ela colocou dois pratos e começou a enfeitar as panquecas com cerejas, amoras e um pouco de mel como cobertura.
“Você já decidiu o que você vai fazer quando voltar?” Perguntou ela me passando uma xícara de café e sentando no banco de madeira ao meu lado. “Não sei. Procurar emprego e talvez iniciar um doutorado”. Ela deixou sair um “legal” por entre as mastigadas, com o olhar perdido na chuva que batia na janela da cozinha.
Sarah estava acostumada a despedidas. Já morara em cinco países, em inúmeras cidades e olha que ela só tinha vinte e seis anos. Contava que desde que saiu da França, quando completara 18 anos, sempre foi assim. Quando começava a fazer amigos as pessoas se mudavam, então quando ela percebia que não havia sobrado mais ninguém, quando não se sentia mais pertencente ao lugar, ela mesmo se mudava.
Preferia a companhia de estrangeiros porque segundo ela uma pessoa que nunca saiu de sua cidade natal é incapaz de compreender o que uma pessoa que veio de fora realmente sente.
Na verdade ela dizia que havia se acostumado, fingia-se de forte, mas sei que cada abraço de adeus devia doer. A conversa espaçada durante aquele café era um sinal disso.
Outra amiga uma vez me disse que desde o dia que saímos de nossa cidade nunca mais seriamos inteiros. Quando sairmos da nossa cidade natal, sentiremos falta dos amigos e familiares que deixamos lá, contudo, com o passar do tempo, novas pessoas irão aparecer em nossas vidas e quando regressarmos a nossa casa de origem será dessas pessoas que sentiremos saudade. Parecia uma pena muito dura, sentenciar alguém a saudade.
Tentei espantar aqueles pensamentos. O dia chuvoso fazia tudo parecer mais melancólico. Dentro de dois dias eu estaria voltando para casa depois de alguns meses fora do Brasil.
“Eu vou sentir sua falta”, ela soltou. “Agora tenho que encontrar uma nova companhia para fazer trilhas”, completou sorrindo. Sarah não era tão durona assim, nem eu. Eu nunca soube ser calculista em minhas decisões, nas mais importantes eu sempre pensava com o coração. E naquele dia ele pedia para voltar para casa.
Dizem que somos feito do pó das estrelas, da mesma forma acredito que somos feito de um pouquinho de todas as pessoas que passaram por nossas vidas. Deixamos um pouquinho de nós nelas e carregamos parte delas conosco.
Quando Sarah me levou até a porta a chuva já havia parado. “Nunca sei o que dizer em despedidas” revelei. Ela apenas me olhou, sorriu e disse “Apenas diga “tchau!””. Então sai para as ruas molhadas de Sydney, refletindo sobre as muitas despedidas que já tive na vida e também os muitos reencontros.
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