O Cajueiro
O cajueiro estava tão carregado que os galhos curvados beijavam o chão do quintal. Da rua, por cima do muro verde podia-se ver os gorduchos frutos que o nosso cachorro — um autentico vira-lata de nome Rex — os protegia com bravura. Outra vez um homem bateu no portão a perguntar se o cachorro era vacinado, pois havia levado uma mordida nos dedos durante sua tentativa de alcançar um caju.
Minha mãe improvisava um fogareiro com uma lata de tinta e colocava as castanhas para torrar. Castanhas de caju no mercado custavam uma fortuna, mas aquelas ali, vindas do nosso cajueiro custavam a paciência de separar as castanhas e de pô-las para torrar.
Quando me mudei para a casa de muro verde, eu tinha cinco anos e já era mais alto que a muda de cajueiro que fora plantada no quinta. Em pouco anos ela foi crescendo, dando sombra e logo depois vieram os frutos.
Lembro que em um verão meu pai montou uma piscina de plástico em baixo da árvore. Um pequeno pedaço do paraíso se escondia ali, quando eu submergia e via a luz brincar por entre as folhas do cajueiro. A brincadeira durava o quanto o fôlego permitia.
Um dia meu pai chamou a mim e a minha irmã para contar-nos um novidade. Iríamos sair do aluguel, iriamos nos mudar para um apartamento que em alguns anos seria nosso. Quando se é criança, não se sabe o que é aluguel, nem que nossos pais pagam religiosamente todos os meses uma certa quantia para ter um teto sobre a cabeça, mas com o conhecimento pinçado de todas as conversas de adultos que o atrevimento permitiu escutar, aluguel não era coisa boa.
Então ficamos felizes também. Nos mudamos para o apartamento que não tinha quintal e muito menos uma piscina de plástico de baixo do cajueiro. Nunca mais vi o cajueiro, nem comi seus frutos ou senti o cheiro das castanhas torrando numa tarde quente. Meus caminhos fizeram que eu passasse pouco ou não passasse pela antiga casa. Há alguns anos ouvi que ele havia sido cortado.
Pobre das outras crianças que não terão um cajueiro pra subir, ou pra fazer sombra no verão enquanto brincam de elástico ou conversam suas conversas de criança. Provavelmente o novo morador devia ser um senhor que há muito tempo esquecera o que é ser menino.